"Cegos dirigindo cegos" (Pieter Breughel)
"Partindo da Boltzmanngasse, descia-se em alguns saltos a Strudlhofstiege e estava-se nessa maravilhosa galeria que já não existe e onde eu vi os meus primeiros Breughel. Pouco importa que sejam cópias - bem gostava de ver o ser inabalável, desprovido de sentidos e de nervos que, posto de repente diante desses quadros, se poria a questão: cópias ou originais? Para mim, poderiam ter sido cópias de cópias de cópias, isso nem me aquecia nem arrefecia, porque era a Parábola dos Cegos e o Triunfo da Morte. Todos os cegos que depois vi descendem do primeiro desses quadros."
"Le Flambeau dans l'oreille" (Elias Canetti)
Felizmente que é possível copiar uma obra-prima, sem o que nem o próprio Miguel Ângelo poderia ter esculpido as suas sublimes estátuas inspiradas nas da Antiguidade.
É claro que um texto não se funde tão intimamente com o seu suporte como um quadro ou uma escultura, e o que se perde é o contexto de uma língua viva. Mas isso também falta à arte de outros séculos para ser integralmente compreendida.
Há, pois, uma redução inevitável da realidade da obra, para além do que o processo de cópia acarreta. Se pensarmos que essa é a lei da nossa própria memória, visto que igualmente "reduzimos" a nossa experiência passada sempre que a evocamos, não podemos estranhar a fatalidade que atinge a cópia de um quadro como "A Parábola dos Cegos".
O alcance desta parábola é universal. Nós e o nosso semelhante podemos ver-nos, se quisermos, ali retratados. Basta que um homem reconheça que só sabe que não sabe para colocar todos os que julgam que sabem e os que arrastam consigo na situação dos mendigos de Breughel, a um passo da queda.
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