quinta-feira, 8 de junho de 2017

A OBRIGAÇÃO DE TRESLER

La Chambre des Deputés

"Esta "trovoada de aplausos" arrebata as últimas resistências do leitor de bom senso; ele acha insultuosa para a Câmara (dos Deputados), monstruosa, uma maneira de proceder em si mesma insignificante; se for preciso, qualquer facto normal, por exemplo: querer fazer pagar os ricos mais do que os pobres, fazer luz sobre uma iniquidade, preferir a paz à guerra; achará isso escandaloso e verá aí uma ofensa a certos princípios nos quais ainda não tinha com efeito pensado, não inscritos no coração do homem, mas que emocionam fortemente, por causa das aclamações que desencadeiam e das compactas maiorias que congregam."

"Le Côté de Guermantes" (Marcel Proust)

Proust descreve a mudança de sentimentos operada no espectador (ou no leitor do jornal dos debates) de uma assembleia, por efeito dos gestos colectivos.

O homem de bom senso é demasiado ingénuo frente à subtileza dos políticos, subtileza que lhes vem da iniciação a certos rituais da assembleia e a esquemas de pensamento condicionados pela divisão dos partidos, entre o "nós" e o "eles".

E observa que "essa subtileza dos homens políticos que me servia para explicar o meio Guermantes e mais tarde outros meios não é outra coisa senão a perversão duma certa finura interpretativa, muitas vezes designada pela locução ler entre as linhas".

De facto, a ingenuidade é o pecado capital nas assembleias, precisamente, aquilo que nos faz tomar tudo à letra. Mas a subtileza de que fala Proust e que alimenta os sistemáticos mal-entendidos, tão produtivos para a lógica partidária, é uma pretensa inteligência, pois é ditada pela necessidade de se cultivar uma diferença, realmente, inessencial.

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