(Galeno e Hipócrates)
"A diferença existente entre o médico dos escravos e o médico, formado cientificamente, que curava os homens livres revela-se, segundo a divertida exposição que Platão faz nas "Leis", na maneira como cada um dos médicos procede para com os seus doentes. Os médicos dos escravos correm de um paciente para outro e dão as suas instruções sem falar (aneu logon), isto é, sem se demorarem a fundamentar os seus actos, com base na simples rotina e na experiência. Esse médico é um tirano brutal. "Se um deles ouvisse falar um médico livre a pacientes livres, em termos muito aproximados das conferências científicas (...), explicando como concebe o regime da doença e elevando-se à natureza de todos os corpos, morreria certamente de riso e diria o que a maioria das pessoas chamadas médicos replicam prontamente em tais casos: o que fazes, néscio, não é curar o teu paciente, mas ensiná-lo, como se a tua missão não fosse devolver-lhe a saúde, mas fazer dele médico."
"Paideia" (Werner Jaeger)
Da pressão do número de doentes pode resultar algo de muito parecido com a tirania sem palavras de que fala Platão.
O "médico dos escravos" quase sempre não tem tempo senão para ouvir e passar a receita. E quando, por milagre, se encontra um clínico mais livre para explicações que procuram menos transmitir um conhecimento do que tranquilizar o doente, a fila de espera sofre na fatalidade das suas correntes.
Hoje ninguém riria ao ver um médico tentar fundamentar os seus actos, porque devolver a saúde ao doente implica que este compreenda como chegou ao estado em que se encontra e que, pela razão, possa voltar ao caminho da saúde.
Os médicos que se vêem obrigados "a correr de um paciente para outro", de facto, abdicam da principal força de regeneração, que é a vontade esclarecida do doente e o seu tranquilo realismo.
A simples prescrição do medicamento é, na verdade, uma violência (ou a continuação do sagrado por outros meios), com todos os seus efeitos colaterais, que nos reduz à simples credulidade.
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