sábado, 20 de novembro de 2010

A PERSPECTIVA DECADENTE


Soldados austro-húngaros


 
“Se alguém fala da natureza ambígua e confusa do homem, isso deixa supor que ele crê poder imaginar uma melhor. Um crente pode fazê-lo, e Ulrich não era crente. Pelo contrário: a crença era suspeita aos seus olhos duma tendência para a precipitação.”

“O homem sem qualidades” (Robert Musil)




Para nos deixarmos penetrar por uma atitude criticista em relação a tudo o que nos rodeia, não há como ler Musil. É fiel como uma dispepsia.

Ele viveu num período de decadência, num estado impossível em que só a mentira podia dar uma aparência de razão à falsa unidade eslavo-germânica (o império austro-húngaro).

Essa contradição de raiz fez proliferar a cultura do duplo sentido e da ironia, de que o autor do “Homem sem qualidades” é um mestre consumado.

Ao transportarmos essa idiossincrasia para outra situação, é como se déssemos à aparência a má consciência dum discurso oficial e pressupuséssemos no âmago da realidade qualquer contradição insanável ( por exemplo entre o humanismo e a tecnocracia). 

Mas que fulgurante operador da inteligência! Isto é, a análise da decadência (mesmo se não é uma) dá-nos uma juvenil impaciência pelos novos tempos que só se vê nas profecias.

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