quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

A RAZÃO DE VOLTAIRE

Voltaire (1694/1778)


Voltaire, no seu “Dicionário Filosófico”, pergunta se a verdadeira religião “não deveria ensinar muita moralidade e muito pouco dogma, procurar tornar os homens justos, sem os fazer absurdos, abster-se de ordenar a alguém para acreditar em coisas impossíveis, contraditórias, injuriosas para a divindade, perniciosas para a humanidade e que ousasse não ameaçar com o castigo eterno alguém que possuísse o senso comum? Uma religião que não defendesse a sua fé com os carrascos da terra e não inundasse a terra com sangue por causa de sofismas ininteligíveis? Que ensinasse apenas a adorar um deus único, a justiça, a tolerância e a humanidade?”
(citado por Karen Armstrong)



Como todos os iluministas, Voltaire esperava demasiado da razão ( e não foi ela endeusada pelos revolucionários franceses?). Viveu num tempo em que a ciência afirmava um poder ilimitado de explicação do mundo, sem ter encontrado ainda as aporias de Kant nem as limitações que o século XX patenteou.

Compreensivelmente, a sua crítica da religião baseia-se numa interpretação literal dos textos sagrados, na história e na lógica dos factos. O dogma parece então, um insulto à capacidade de raciocínio, uma intolerável interdição de pensar. O iluminista vê por detrás dos símbolos e da linguagem poética inspirada pelo mística meros subterfúgios do poder anacrónico da Igreja sobre os espíritos.

A tolerância defendida por Voltaire continua a parecer-nos um real progresso face ao fanatismo de todos os tempos. Mas essa tolerância era, também, uma das armas da razão no processo de redução da religião ao foro privado. O fanatismo era real, devemos, contudo, perguntar-nos se era isso que realmente estava em causa.

O politicamente correcto dos nossos dias é, talvez, um fruto desse espírito que progride apoiado nos excessos do espírito contrário. Agora não é a secularização nem a privatização que podemos antever nesse enfraquecimento da convicções cívicas e políticas, mas o conformismo duma sociedade de consumidores.

0 comentários: