quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

O DEDO A MATEUS

"A vocação de Mateus" (Caravaggio)


“Entre a exaustão do maneirismo tardio e o desabrochar do barroco, a pintura de Caravaggio é um bloc d’abîme que escapa à ortodoxia ideológica pós-tridentina e que antecipa, no pathos e na crueza material das suas figuras, na composição dramática e na exploração magistral do chiaroscuro, muito do que virão ser os motivos da pintura posterior.”

“Roma - Exercícios de reconhecimento” (António Mega Ferreira)


Ocultado pela figura de Pedro (?), Cristo é quase só o olhar que acompanha o indicador, dentro dum triângulo de sombra que o halo intercepta discretamente.

Aquele gesto é imperioso. Não há da parte do escolhido, Mateus, qualquer reconhecimento ou pré-disposição. Ele é designado pela autoridade invisível que não admite réplica alguma.

Mateus, no meio do grupo dos publicanos, estava absorvido pela cobrança ( é a sua profissão ). As moedas espalhadas na mesa parecem troçar do múnus espiritual em que o querem investir.

O indicador de Cristo tem uma conotação na pintura: é a da denúncia. Ao mesmo tempo que escolhe o discípulo, Cristo denuncia a vida do publicano, o “vil metal”.

Como bem observa Mega Ferreira, a propósito do outro quadro da capela Contarelli, “O martírio de S. Mateus”, há aqui uma “autêntica dessacralização do sagrado, tal como o entendia a pintura religiosa dominante.” Isso está bem patente na “obscuridade” de Cristo e no plano horizontal em que surgem todas as figuras.

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