segunda-feira, 19 de julho de 2010

ABISMOS


Parménides de Eleia (cerca de 530 a.C. - 460 a.C.)


"Heidegger tenta elucidar a afirmação de Parménides segundo o qual o pensamento e o ser são um só. Tenta definir a imagem do homem que a equação assim estabelecida implica. Para o fazer recorre à 'poesia pensante' do segundo estásimo da 'Antígona', que constitui só por si, um exemplo mais de 'pensamento [no interior] do ser'. Surge então uma palavra que estilhaça à partida todas as normas habituais de questionamento e de definição – a palavra deinoieron. O homem é 'o mais estranho', o 'extremamente inquietante'. Estão presentes nele o que é último e o que é mais abissalmente primeiro, ao mesmo tempo que só à 'intuição poética' tal dualidade se revela. Só a língua da antiga Hélade, por muito longe que esteja já do 'Ser' primordial, pode atravessar as antinomias inertes e falsas da nossa lógica."


"Antígonas" (George Steiner)


Um vestígio do romantismo alemão esta invocação do passado Grego, "por mais longe que esteja já do Ser", esta fundação da verdade na intuição poética?

Como um dos mais prolixos e obscuros filósofos que conheço, Heidegger justifica esta interpelação do "método". Por outro lado, como poderíamos confiar na razão apenas para sondar os abismos primordiais, onde o mito é rei por definição?

Nenhuma definição, certamente, pode incluir 'o mais estranho'. Nesse sentido, a contradição lógica fica muito aquém do desafio. Há muitas definições e o homem não pode ser definido. No fundo, porque, realmente, não pode saltar sobre o pensamento, como não pode saltar sobre a própria sombra.

É possível por isso que o mais familiar seja ao mesmo tempo "o mais inquietante".


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