sexta-feira, 27 de março de 2009

A PALAVRA QUE MUDA


O 9 Thermidor


"O discurso escrito por ele, e certamente concertado com Robespierre, era de uma infinita perícia. Se tivesse conseguido levar a leitura pelo menos até à vigésima linha, a curiosidade, habilmente espicaçada, teria levado a desejar ouvi-lo, e a Convenção, mais branda, voltava ao jugo."

"História da Revolução Francesa" (Jules Michelet)


Mas em 9 Thermidor, o discurso de Saint-Just foi interrompido por Tallien, um dos que, temendo fazer parte da próxima carroça para a guilhotina, se coligara com outros para perder o Incorruptível. Sempre que este tentava responder, as suas palavras eram abafadas por gritos de "Abaixo o tirano!". "Só a morte sem frases (a expressão que se atribui a Sièyes) podia reunir uma massa tão heterogénea, tão interessada em esconder os móbiles que a empurravam contra ele." (ibidem)

Não havia homem mais íntegro do que o antigo advogado de Arras. Nem julgava mal a sua situação, no fio da navalha, manobrando com arte consumada entre os perigos, empurrado quase sempre para o extremismo para escapar ao labéu da indulgência. A violência era para ele tão necessária como a velocidade para o equilíbrio do ciclista (de resto, já se comparou a Revolução a uma bicicleta).

Mas, enfim, a direita que o tinha apoiado até ali (ele parecia querer restaurar o poder dos padres e assegurar a "ordem"), aviltada por uma "longa hipocrisia", viu na ocasião uma oportunidade para matar a Montanha com o seu próprio veneno e trazer de volta a realeza, e abandonou Robespierre aos thermidorianos.

A arte da oratória revela aqui o seu grande poder. Os coligados tiveram medo do efeito das palavras de Saint-Just, o qual, ao fim de contas, ia pedir o que todos pediam: "a atenuação das arbitrariedades dos comités".

Parece que um discurso pode mudar o curso da história, mas a verdade é que isso só é possível quando a política se tornou o modo exclusivo de ser da sociedade.

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