segunda-feira, 2 de março de 2009

COMTE


Auguste Comte (1798-1857)



Não se pode pensar sem um sistema qualquer e a lei dos três estados (teológico, metafísico e positivo) corresponde a um movimento natural compreendido por todos. A paixão classificatória do fundador do Positivismo desenvolve-se num quadro evolutivo que aplica ao domínio do espírito a lei já percebida no mundo físico. A ideia crítica, como ele viu, não é completa em si mesma e nunca poderia fundar uma instituição nem organizar estavelmente a sociedade. O espírito positivo não é, como hoje se sabe, a simples compreensão do dado, mas acção no verdadeiro sentido, porque nele a existência nunca é explicada senão para continuar o seu ser pela compreensão duma lei que é sempre provisória. A injunção marxista de transformar o mundo é um pleonasmo, porque, a menos que se entre como força cega na dinâmica social, a mudança não é outra coisa que a atribuição dum sentido ao passado e, portanto, a sua continuação ideal por meios conscientes e pelas involuntárias inflexões. A História é a abstracção necessária à acção colectiva como crença, e cujo sujeito é o povo ou a nação. Mais do que a ideia da soberania popular, a ideia histórica expulsou o espírito teológico dos sistemas de governo. Interpretar os factos humanos para deduzir uma lei é o princípio da sociologia que se prolonga hoje nas tentativas de produzir o inconsciente significante ao nível do indivíduo. Este homem que se julga com o direito a ler o destino na sua própria história, sem recurso a uma filosofia da origem é o antigo leitor solitário da bíblia, e o direito de exame sobre o texto, como disse Comte, é a nossa fábrica de mitos sociais. A tentação de reduzir este fenómeno à influência dum medium específico, na esteira de Mc Luhan, é demasiado forte para não ser referida de passagem. Mas talvez que as nossas reticências sejam a consequência do método de atribuir aos instrumentos a indignidade que é própria da matéria. Esse método, por muito fecundo que seja na cultura ocidental, é o signo duma incapacidade de apreensão imediata do nosso ser profundo. Por uma fatalidade que é propriamente humana, as nossas instituições são uma síntese do homem separado da natureza, pela lei do espírito e dos seus instrumentos. É preciso ver na lei dos três estados a verdade dessa inadaptação necessária do homem e do universo, e encontrar aí, ao mesmo tempo, a chave para compreender a aspiração de todo o espírito livre à perfeição infinita.

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