terça-feira, 9 de janeiro de 2007

O ESPELHO DA LITERATURA


Proust aos 16 anos

"(assim o nosso coração muda, na vida, e é a pior dor; mas nós só a conhecemos na leitura, em imaginação: na realidade ele muda, como se produzem certos fenómenos da natureza, assaz lentamente para que, se podemos constatar sucessivamente cada um dos seus estados diferentes, em contrapartida, a sensação mesma da mudança nos seja poupada.)"

"Du côté de chez Swann" (Marcel Proust)


E, no entanto, antes do romance psicológico, antes da própria literatura, a mudança dos sentimentos, que não é nada comparada com a do corpo, operada insensivelmente a todo o tempo, era uma experiência dos homens que, por assim dizer, a não conheciam, como se podia desconhecer a própria morte se não a víssemos nos outros.

A literatura é então um ecrã para captar o ser do tempo e dele fazer um objecto do pensamento.

Pergunto-me se não estaremos a construir um mundo em que esse objecto esteja tacticamente ausente.

É que ele só interessa ao sujeito ocidental, tal como o conhecemos, há relativamente pouco tempo e apenas numa pequena parte do planeta.

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