domingo, 28 de janeiro de 2007

NEURASTENIA


Segismundo Freud (1856/1939)


O mal-estar do corpo, a imprudência no trabalho que faz seguir um gesto a galope chamam a tristeza. E é próprio do homem triste fazer pálido o sol e do passeio um beco sem saída. O pensamento não nos socorre com nenhuma ideia grata. É o corpo que elimina mal ou se desequilibra que nos pensa. E como aconselha Chartier, o melhor é mudar de posição e despedir a voz pretensiosa que nos condena. Nesse momento, a moratória pode salvar-nos.

Diz-se bem que não há problema que o tempo não resolva; mas para tal é preciso julgar sempre contra a tristeza. O homem caído não tem perspectivas. A ideia mais intolerável é a de termos cedido a uma força que não controlamos, mas que está à nossa guarda. O homem apaixonado tornará então o que é do corpo numa verdade metafísica. Ele obstina-se em permanecer no chão dizendo a si mesmo: fui eu quem o quis.

É verdade que não basta lutar contra essa tendência para espiritualizar o mal. Deixar passar a nuvem sombria pode ser superior às forças duma pessoa. Porque pressupõe que esse excesso de energia destruidora desapareça sem acção, nem mudança de objectivo. O trabalho desvia a atenção, mas a companheira trágica não se foi embora. Se não se abriu energicamente a cortina, a criatura da noite persegue-nos a todas as horas como num sonho.

A ideia de que o carrasco está em mim. E que o universo pelo contrário me deixa livre. Tudo é misterioso e no entanto claro, se nos decidirmos a viver a perfeição que nos é própria. É o erro que limita. Que nos fecha no túmulo sonoro da vaidade. Quem se abandona descobre que o perdão é fácil, e é sempre a si mesmo. Mas não é só o que o homem nos diz na sua falsa solidão que acalenta os pensamentos negros. Há outras formas subtis de fazer mal ao espírito; em nome do sacrifício ao dever e à causa dos outros, somos às vezes uma engrenagem que a máquina não pede. A todo o momento, a vigília do corpo ganha o seu repouso.

É verdadeiramente o templo da vida tornado metáfora da máquina, o corpo que perde o sentimento dos seus limites e da forma humana. O trabalho para mim não raro é uma queda na dimensão mecânica, donde saio destrambelhado e gasto. Tão diferente é esse esforço, que nos desapossa, da acção livre, sempre consciente da fronteira e do poder da decisão. Uma outra maneira de ceder à tristeza sob o título do dever cumprido. É então surpreendente o efeito produzido pela leitura dum texto denso que nos descobre pouco a pouco a luz, no que é talvez o movimento da alegria.

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