sábado, 10 de outubro de 2009

JERUSALÉM


Gonçalo M. Tavares

Há um contexto germânico no romance de Gonçalo Tavares que se situa algures no pesadelo do século XX. Não são só os nomes, que nada têm a ver connosco, também as "qualidades" de algumas personagens (nada se parece tanto com os nossos vícios como as nossas virtudes), o estilo de vida no hospício e depois na prisão em que Mylia cumpre a sua pena-destino. E é, evidentemente, o título que cita o salmo (137, 5-6) "Se eu te esquecer, Jerusalém, que seque a minha mão direita. Que a língua se me cole ao céu da boca, se deixar de pensar em ti, se não te preferir, Jerusalém, a todas as outras alegrias.". A cidade celeste é como a parte visível de um díptico, a outra é o Holocausto, que parece estar no fim (ou no princípio?) destas trajectórias mecânicas. O crime inexpiável é o do esquecimento. Numa das citações daquele salmo, Mylia refere-se ao hospício Rosenberg, onde foi "normalizada" e submetida a uma esterilização que correu mal. É essa violência que é pecado esquecer: "Se eu me esquecer de ti, George Rosenberg, que seque a minha mão direita". O livro é ainda mais negro por conhecermos a história dos campos. Essa esperança última, essa derradeira dignidade não encontrou ali também o aniquilamento?

0 comentários: