domingo, 3 de maio de 2009

O SISTEMA DA MENTIRA


Sir Winston Churchill (1874/1965)


"O director de jornal ou de revista mente com uma atitude de sinceridade tanto mais solene quanto precisa de dissimular em muitas ocasiões que fez exactamente a mesma coisa e se entregou às mesmas práticas mercantis que ele fustigou em outros directores de jornais ou de teatro, em outros editores, quando tomou como bandeira, ergueu contra eles o estandarte da Sinceridade. Haver proclamado (como chefe dum partido político, como não importa o quê) que é atroz mentir, obriga frequentemente a mentir mais do que os outros, sem abandonar por isso a máscara solene, sem depor a augusta tiara da sinceridade."

"La Prisonnière" (Marcel Proust)


É difícil a alguém que é obrigado a mentir por força de certas declarações imprudentes e tomadas de posição a que, na maioria dos casos, talvez não se pudesse furtar, arriscar-se a "perder a cara" e a fragilizar a imagem de infalibilidade e de absoluta coerência que é indispensável à demagogia.

E são raros os que em democracia podem escapar à necessidade de agradar aos eleitores. Se pensarmos bem, pode haver, mesmo no discurso aparentemente mais austero e realista, um apelo, uma lisonja mais subtil àqueles de que esse político depende para se manter no poder.

Tomo como exemplo o célebre "sangue, suor e lágrimas" dum grande estadista do século passado. Um tal programa agradava, mesmo se de forma paradoxal. Quando se tem a consciência de não se poder escapar aos sacrifícios, temos de fazer boa cara ao que naturalmente nos desagrada, e o que se espera dum político, nestas circunstâncias, é que nos prometa precisamente isso.

Sabendo, pois, que mentir é um dos "ossos do ofício", só podem fazer boa figura os que têm a "sorte" de Churchill de não poder mentir, ou a daqueles a quem os acontecimentos parecem dar sentido às suas próprias contradições.

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