segunda-feira, 30 de maio de 2005

THE OLD MOON




Hoje não se diz que um homem lê muito para significar sabedoria. Diz-se que lê. Se tirarmos a oração matinal do filósofo de Iena, ou a sebenta dos estudantes, a leitura é um esforço sem apoios de nenhuma espécie. O jornal é um guia para a conversação depois do sono. Dá-nos o mundo em títulos, uma história para contar, um programa para a noite ou para o fim-de-semana. Enquanto que os livros de estudo são a iniciação às honras e aos privilégios sempre que a situação do emprego é favorável. Os jovens aprendem na universidade a fazer parte duma classe. Quanto ao uso que podem dar às milhares de horas de estudo, é esquecer o conteúdo do que leram e actualizar a confiança em si mesmos e a força de vontade. Que valor terá a memória escolar diante do computador? Claro que a máquina não sabe o que diz e, sobretudo, não pode dar vida a um pensamento. Nos livros, o espírito dorme como a bela do conto de fadas. Mas não basta ler, nem decorar. É preciso admirar os autores imortais, buscar com amor o segredo das palavras. Isso só é frutuoso na literatura e nas humanidades. A matemática encerra a beleza mais nua. Mas as fórmulas são um produto da indústria. São tanto minhas, como da máquina. Essa espécie de conhecimento não perde em passar para um cérebro electrónico.

A nossa sociedade fez do verdadeiro leitor e do homem de escrita o grego antigo, preceptor da juventude patrícia. A alma colectiva veste como um escravo, embora se lhe confiem ainda, entre os jogos, os filhos do conquistador. Mas um simulacro desse decaído preceptor espera já nos laboratórios das grandes firmas.

Esta mutação é o que há de mais natural. Porque os que liam para passar o tempo, ou para um fim utilitário, hoje, com menos esforço e menor atenção, constituem a massa dos telespectadores. A lei da inércia e do prazer explica este desprezo dos livros, que é também temor. É curioso pensar que o homem civilizado venha um dia, tal como o primitivo de que fala Mac-Luhan, a venerar a palavra prisioneira da biblioteca.

Mas a televisão é além de tudo o mais um relógio social. Que milhões vejam no mesmo momento uma telenovela e oiçam no mesmo instante a réplica dos actores, eis o que nem a Bíblia pôde fazer. Uma instituição que acerta o tempo das pessoas e o seu pensamento. Não é pelo que se vê e o que se ouve, mas por este mágico consenso que nos reúne debaixo da lua.

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