quarta-feira, 20 de abril de 2005

O BURRO


 



« (…) O que é preciso dizer é que nenhuma escravatura é boa. Hugo é um desses raros homens que sempre remontam à liberdade como à fonte de todo o bem. Quer se trate do ensino, do sufrágio, da imprensa, do livro, do teatro, é a liberdade que ressoa e que se faz eco a si mesma nos discursos políticos do poeta. Esta posição é difícil de manter; ela exige que se confie no homem; não uma vez, mas mil vezes, mas sempre. Sobre isso, Hugo é o mestre dos mestres. Infelizmente, a impaciência e o desprezo estragam tudo. Decerto faltou-me a coragem; faltou-nos a coragem. Há mil caminhos para trair. Há certamente uma maneira de ser socialista que trai a República. Mas de qualquer maneira que se traia, é-se sempre louvado pela inteligência. Esta grande ideia não escapou a Hugo. Ele viu-a: ele entrou nela, ele esclareceu-a completamente de modo a torná-la para sempre insuportável. Isso tem por título “O burro”; é um imenso poema, e é o monólogo dum burro que se regozija por ser burro observando as elegantes traições daqueles que sabem.(…)”
“(…)
Eu li, busquei, cavei, até me estropiar.
Quase em água se fez a minha inteligência.
Quem quer que fordes, vós que passais, Excelência,
Zurzi-me e espancai, não me ensineis porém.
Cansa-me o que sabeis em vão; guardai-o bem,
E não roleis p’ra mim do mesmo que se enrola.
Trepai-me para as costas, não para a cachola.(…)”

(Duma “Homenagem a Vítor Hugo” in “Humanidades” de Alain – tradução de José Ames)

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