terça-feira, 2 de dezembro de 2014

ANÁTEMAS

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"Mas em certas épocas históricas isso altera-se por efeito de acontecimentos imprevistos. As pessoas podem então ser atingidas por termos injuriosos para as quais a jurisprudência não tem interpretação.

Por exemplo, o termo 'fascista' que passou a significar uma injúria verbal mas para a qual o pensamento do legislador não estava preparado. Depois de os trinta tiranos de Atenas serem banidos e a democracia ser restaurada, o sentido oratório da palavra tirano foi elevado até ao sentido mais violento, que ultrapassava mesmo o de assassino. A lei grega interditava certas palavras, como 'assassino'. Podia-se dizer no tribunal que um réu tinha matado o pai, mas não se podia qualificar como assassino. Quer dizer que se podia acusar, punir, mas não desonrar.

Fascista tornou-se um termo que não admitia sinónimo, e portanto não dispunha de atenuantes. Tudo o que não dispõe de circunstâncias atenuantes constitui uma injustiça e, por conseguinte, uma cobardia. 'Fascista' adquiriu o significado de nefando, o que tocava a ideia primitiva sobre o poder e a eficácia cívica da palavra. O que lhe imputava era um espírito desonroso que fechava toda a argumentação."


"Ordens Menores" (Agustina Bessa-Luís)


Não se pode calar um Grego, "senão matando-o". A palavra, a discussão eram o meio dos cidadãos participarem na política da cidade, e os atenienses adoravam os processos da Justiça. Tinha limites essa paixão de discutir, como o mestre de Platão o experimentou na própria pele. O filósofo foi acusado de corromper a juventude e de a virar contra os deuses da cidade. Acusações graves e que denunciavam já o 'ovo da serpente'. Mas depois da tirania, como conta Agustina, recorreu-se às palavras-anátema, contra a tirania, anti-democráticas também elas, por fecharem a discussão sobre esse passado.

Só o tempo e a maturidade da democracia criaram condições para o desbloqueio histórico. Já quase ninguém chama fascista a uma pessoa de direita, a não ser por ironia, caricaturizando alguém que ficou parado no tempo. Mas as palavras-anátema, as velhas e as novas, ressurgem no quotidiano e nos momentos de tensão, sempre alimentadas pela cultura mediática que é a 'caixa do ponto' da opinião pública.

Pensar que uma boa parte só é capaz de encarar metade do mundo com essas palavras! Embora saibamos que, em relação a nós, como dizia O'Neil, "com os seus altos valores, o Ocidente dá por de mais ao dente, dá por de mais ao dente"...

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