quinta-feira, 13 de março de 2014

O PRÍNCIPE INANIMADO

Fernão Lopes nos Painéis de S. Vicente

 

"(...) cá as leis são regra do que os sujeitos hão de fazer, e são chamadas principe não animado, e o rei é principe animado, porque ellas representam, com vozes mortas, o que o rei diz por sua voz viva: e porém a justiça é muito necessaria, assim no povo como no rei, porque sem ella nenhuma cidade nem reino pode estar em socego.”
Fernão Lopes, “Chronica de el-rei D. Pedro I.”

Quem é justo cumpre toda a virtude, diz o cronista. Não se pode, por exemplo, ser intemperante e continuar justo, embora a ofensa possa ser feita só a nós próprios. Era também assim que o Sócrates de Platão o entendia: "Ninguém é mau voluntariamente", porque primeiro, somos injustos connosco mesmos, e já não se pode falar de livre vontade nesse caso.

Este conceito de justiça, entretanto, perdeu-se. Agora, no dizer de Alexandre O'Neill, "com os seus altos valores, o Ocidente dá por de mais ao dente, dá por de mais ao dente." A 'Razão universal' caucionou estas máximas por muito tempo, depois do assalto iniciado por Nietzsche. Simplesmente, deixou de haver o 'príncipe não animado' a quem só faltaria o príncipe em carne e osso para lhe dar voz e reinar incontestado.

Na actual situação, só podemos esperar as satrapias oscilantes que um poder descentrado encarna. A complexidade do sistema deixa-nos sem objecto. Que simples eram os tempos da visão 'panorâmica'!

 

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